22 de nov. de 2016

O significado do nome “Curitiba”

O interessante texto a seguir, fora extraído da revista “A Divulgação”, de sua edição de abril de 1954, de autoria de Arion Dall'Igna Rodrigues, que aborda uma polêmica etimológica envolvendo a origem do nome Curitiba. Vejamos...

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Curitiba: Tupi ou Guarani?

É Curitiba nome de origem tupi ou guarani? Os autores que, até aqui, têm apresentado a etimologia do nome de nossa Capital, não o indicam, como em geral não fazem distinção entre nomes que provenham de um ou de outro desses idiomas indígenas. Assim Teodoro Sampaio em "O Tupi na Geografia Nacional"; assim (para citar um autor paranaense) Romário Martins em "Toponomástica Indígena do Paraná" (Rev. do Círculo de Estudos Bandeirantes. I, 1, set. de 1934: republicado em "Alba", set. de 1938, sob o título "Vozes Indígenas na Toponímia do Paraná").

Antes de abordar o problema, é necessário saber o que se entende por tupi e por guarani. Mesmo entre os especialistas, nem sempre é feita a conveniente distinção entre esses termos. Em se tratando de línguas, temos por mais acertado fazer uma delimitação no espaço e no tempo, a fim de bem conceituar ambos os nomes. Por tupi designamos a língua que, à época da descoberta do Brasil, era falada pelos índios tupinambás (nome genérico para os tupinambás propriamente ditos, os tamoios, os tobajaras, etc.), que ocupavam o litoral entre Cananeia e o Maranhão, e a qual ficou sendo conhecida dos portugueses como "língua geral" ou língua brasílica"; por guarani indicamos o idioma falado pelos índios guaranis carijós, etc.), que habitavam ao sul de Cananeia, estendendo-se para o oeste até o Paraguai e para o sul até o Uruguai. E distinguimos, quanto ao tempo, — tupi antigo e guarani antigo, esse tupi e esse guarani respectivamente — do tupi moderno ou nheengatu, falado ainda hoje na Amazônia (particularmente no Rio Negro) e do guarani moderno ou avanheém, usado atualmente pela população rural do Paraguai e de algumas províncias argentinas.

A diferença entre o tupi e o guarani antigos não é muito grande; era possível, mesmo, a intercompreensão dos indivíduos que falavam uma e outra língua. Se bem que se manifeste também no vocabulário e na morfologia, a diferença é principalmente fonética, isto é, de pronúncia. A s tupi corresponde h em guarani: tupi (ir), guarani ; tupi seté (corpo dele) guarani heté; a pw tupi corresponde kw em guarani; tupi pwã (dedo da mão), guarani kwã; tupi pwerab (sarar), guarani kwerá; a k tupi corresponde g guarani: tupi kutuk (ferir), guarani kutug; tupi mondok (cortar), guarani mondog, etc. Justamente por ser pequena a diferença entre as duas línguas, torna-se difícil, às vezes, saber se um nome provém de uma ou de outra, pois seria idêntico em ambas. Quando se trata de topónimos, porém, o conhecimento da área de distribuição geográfica de cada idioma remove, ao menos em parte, essa dificuldade. Sabendo-se que o Paraná esteve compreendido dentro da área guarani — e não tupi — a origem de seus nomes deve ser procurada no guarani e não no tupi (não se está considerando, é claro, o caso de nomes provenientes de línguas indígenas não pertencentes à família tupi-guarani, como o caingangue).

Para o nome Curitiba, entretanto, não só a região em que ocorre indica ser oriundo do guarani. O estudo do seu étimo confirma que é palavra proveniente dessa língua e que não pode ser interpretada como tupi. O étimo evidente de Curitiba é kurity'ba, palavra do guarani antigo que significa pinheiral, derivada que é do nome kuri, que ocorre na forma de kuriy, registrada no século XVII pelo padre Montoya, e que propriamente significa "árvore kuri", termo com que era designado o pinheiro; o segundo elemento — ty'ba — é sufixo abundancial, neste caso equivalente ao sufixo português — al. Mas, enquanto o guarani antigo possui um nome especial para o pinheiro, dá-se também que o tupi antigo não apresenta nenhuma denominação própria para essa árvore. O maior e mais antigo dicionário do tupi antigo até hoje publicado, o "Vocabulário na Língua Brasílica", de autor anônimo, registra, para traduzir o português "pinhão" e "pinheiro", respectivamente pina e pinay'ba. Esta última palavra formada de pina, evidente portuguesismo, e y'ba (árvore): árvore do pinhão. Ora, se o tupi teve de emprestar do português o nome de pinhão (pina), é óbvio que não possuía termo próprio para designar a planta, o que, aliás, é muito natural, pois a Araucária brasiliensis tem seu habitat limitado ao sul, coincidindo aproximadamente com o domínio guarani, e é desconhecida para o norte, onde se falava o tupi.

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