26 de ago. de 2016

As etimologias de Maria segundo o Padre Vieira

Em seu belíssimo “Sermão do Santíssimo Nome de Maria”, o genial Padre Antônio Vieira (um dos maiores oradores da Língua Portuguesa em todos os tempos) nos brindas com a sua sapiência e o seu vasto conhecimento da etimologia latina. Fazendo uso de expressões da língua de Roma, exalta ele as virtudes de Maria (mãe de Jesus Cristo), justificando-as pelo viés etimológico e teológico. Se não nos convence com sua Teologia, certamente persuade-nos com sua habilidade no manejo correto do nosso idioma. Vejamos...

As significações do nome de Maria: Stella Maris, Domina, Illuminatrix, Amarum mare, Deus ex genere meo.

Depois de declarado quem foi e quem só podia ser o autor do nome de Maria, que foi Deus, segue-se, como prometi, examinar a significação ou signifi­cações do mesmo nome. A língua hebreia, a caldaica, a siríaca, a arábica, a grega, a latina, todas conspiram em o derivar de diversas raízes e origens, por onde não é uma só, senão muitas as etimologias deste profundíssimo e fecundíssimo nome, e o mesmo nome, segundo a propriedade de suas significações, não um só nome, senão muitos nomes.

 A primeira etimologia, e sabida de todos, é que o nome de Maria significa Stella maris: estrela do mar. O mar é este mundo, cheio de tantos perigos, combatido de todos os ventos, exposto a tão frequentes tempestades, e em uma tão larga, temerosa e escura navegação, quem poderia chegar ao porto do céu, se não fosse guiado de lá por aquela benigníssima estrela? Quibus auxiliis possunt naves inter tot pericula pertransire usque ad littus patriae? Por que meio poderão os navegantes, entre tantos perigos, chegar às praias da pátria? – pergunta o Papa Inocêncio III – e responde que só por meio de duas coisas: nau e estrela. A nau é o lenho da Cruz, a estrela é Maria: Certe per duo, videlicet, per lignum et stellam, ide est, per lidem crucis et virtutem lucis, quam peperit nobis Maria maris stella.

A segunda significação e etimologia do nome de Maria é Domina, Senhora por antonomásia, porque do seu domínio e império nenhuma coisa se exclui: Senhora do céu e Senhora da terra, Senhora dos homens e Senhora dos Anjos, e até Senhora por modo inefável do mesmo Criador do céu e da terra, o qual lhe quis ser, e foi sujeito. Ouçamos o altíssimo pensamento de S. Bernardino, e tão verdadeiro como alto: Ille qui Filius Dei est et Virginis benedictae, volens paterno principatui quodammodo principatum aequiparare, ut sic dicam, maternum in se qui Deus erat, matri famulabatur in terra: Aquele Senhor, que é Filho de Deus e da Virgem, querendo em certo modo igualar o senhorio de sua Mãe ao senhorio de seu Pai, se sujeitou e fez súdito da mesma Mãe na terra. – E isto com tanta verdade – conclui o santo – que assim como verdadeiramente dizemos que todas as coisas obedecem a Deus, até Maria, assim é verdadeiro dizer que todas as coi­sas obedecem a Maria, até Deus: Sicut verum est divino imperio omnia famulan­tur, et Virgo, ita quoque verum est Virginis imperio omnia famulantur, et Deus.

A terceira etimologia e interpretação do nome de Maria é Illuminatrix, ou Illuminans eos, isto é, a que alumia a todos os homens. Por isso é comparada a Senhora àquela coluna de fogo que de noite alumiava todo o exército e povo de Israel no deserto, enquanto caminhavam peregrinos para a Terra de Promissão: Tolle corpus hoc solare, qui diminuta mundum: ubi dies? Tolle Mariam, quid nisi caligo involvens, et umbra mortis, et densissimae tenebrae relinquuntur? Tirai do mundo este corpo solar, esta tocha universal, que o alumia diz – S. Bernardo – e onde estará então o dia, ou quem o fará? – Do mesmo modo, se tirardes do mundo a Maria, tudo ficará às escuras, tudo trevas, tudo sombras mortais, tudo uma noite perpétua, sem que jamais amanheça. – E que muito é – diz o mesmo santo – que Maria alumie a terra e os homens, se, depois que entrou no céu, a mesma pátria dos bem-aventurados e a mesma Corte do empíreo ficou muito mais alumiada e ilustrada com os res­plendores de sua presença? Mariae praesentia totus illustratur orbis, et ipsa jam caelestis patria clarior rutilat virgineae lampadis irradiata fulgore.

A quarta interpretação, e que parece menos alegre, do docíssimo nome de Maria é Amarum mare: mar amargoso. Mas como podem caber as amarguras do mar, ou um mar inteiro de amargura, no nome daquela Senhora a quem nós saudamos e invocamos com ode doçura nossa? Já se vê que aludem estas amargu­ras às dores do pé da Cruz, das quais estava profetizado com o mesmo nome de mar: Magna est velut mare contritio tua (Grande é como o mar o teu desfalecimento” - Lam. 2, 13). – Mas, posto que as águas daquele turbulento mar foram tão amargosas para a Mãe angustiada que as padeceu, para nós, que logramos os efeitos delas, são muito doces. Porque, ainda que a miseri­córdia da Senhora foi sempre grande, as dores que então experimentou, fez a mesma misericórdia mais pronta para socorrer e remediar as nossas. Não tem menos autor esse reparo daquelas amarguras que o angélico Santo Tomás. Diz S. Paulo que Cristo quis padecer para se poder compadecer de nós: Non habemus pontifi­cem, qui non possit compati infirmitatibus nostris, tentatum per omnia (“Não temos um pontífice que não possa compadecer-se das nossas enfermidades, mas que foi tentado em todas as coisas” - Hebr. 4, 15). – Pois Cristo, ainda que não fosse possível, nem padecesse, não se podia compadecer de nós e remediar-nos? Sim, podia – diz Santo Tomás – mas não com tanta presteza e prontidão, porque enquanto Deus só conhecia as misérias; por simples notícia, e depois que padeceu conheceu-as por experiência: Sciendum quod... posse ali-quando importa! non nudam potentiam, sed promptitudinem et aptitudinem Christi ad subveniendum: et hoc quia scit per experientiam miseriam mostram, quam ut Deus ab aeterno scivit per simplicem notitiam. – Necessário foi logo na Mãe — assim como no Filho - que a experiência das dores e amarguras próprias lhe acrescentasse a compaixão das alheias, e excitasse e estimulasse nas suas a prontidão de remediar as nossas.

 A quinta etimologia, e também a última, como a maior e mais excelente de todas, é singularmente do grande doutor da Igreja Santo Ambrósio, qual diz que o nome de Maria significa Deus ex genere meo: Deus da minha geração. - Speciale Maria Domini hoc nomen invenit quod significar Deus e; genere meo. - Não declarou o santo a origem de tal nome, mas depois lhe descobriram as raízes outros autores, na derivação de duas palavras hebraicas. E que significação pode haver, nem mais alta nem tão imensa? S. Paulo em Ate nas, ensinando aos areopagitas a grande dignidade do homem e parentesco que tem com a divindade, diz que somos geração de Deus; e para isso lhes alegou como coisa conhecida até dos mais sábios gentios, o verso de Arato, poeta da sua mesma nação: Ipsius enim et genus sumus (“Porque dele também somos linhagem” - At. 17, 28). - De sorte que os homens somos geração de Deus, e Deus é geração de Maria: os homens geração de Deus, porque Deus nos deu o ser; Deus geração de Maria, porque Maria deu o ser a Deus. E isto é o que significa o nome de Maria: Deus ex genere meo. - Vede se tive razão de lhe chamar imenso, como agora lhe chamo sobre-imenso. E por quê? Porque, sendo Deus imenso e infinito, uma parte de que se compõe o nome de Maria é todo Deus. Quis Deus acrescentar o nome de Abrão, e a significação dele, que era grande: e que fez? Tirou uma letra do seu nome, a acrescentou-a ao nome de Abrão. Isso quer dizer: Nec ultra vocabitur nomen tuum Abram sed appellaberis Abraham (“Daqui por diante não te chamarás mais Abrão, mas chamar-te-ás Abraão” - Gên. 17, 5). - Este foi o acrescentamento de nome; e o do significado foi tal que, declarando-o o mesmo Deus, disse: Faciam te crescere vehementissime (Gên. 17, 6): Far-te-ei crescer veementissimamente. - Invente a gramática outros termos maiores de se explicar, por que os superlativos já são curtos. Se os aumentos que uma só letra do nome de Deus causou no nome de Abraão foram veementíssimos aqueles com que todo o nome de Deus entrou no nome de Maria, e o encheu Maria, Deus ex genero meo - quais seriam? Reserve-o para si o mesmo Deus, que só ele o pode compreender.

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