CARNAVAL
ETC. (“A Semana”):
Tal é a filosofia do carnaval; mas
qual é a etimologia? O Sr. Dr. Castro Lopes reproduziu terça-feira a sua
explicação do nome e da festa. Discordando dos que vêem no carnaval uma despedida da carne para entrar no peixe e no jejum da
quaresma (caro vale, adeus, carne), entende o nosso ilustrado patrício que o carnaval é uma
imitação das lupercais romanas, e que o seu nome vem dali. Nota logo que
as lupercais eram celebradas em 15 de
fevereiro; matava-se uma cabra, os sacerdotes untavam a cara com o sangue da
vítima, ou atavam uma máscara no rosto e corriam seminus pela cidade. Isto
posto, como é que nasceu o nome carnaval?
Apresenta duas
conjecturas, mas adota somente a segunda, por lhe parecer que a primeira exige
uma ginástica difícil da parte das letras. Com efeito, supõe essa primeira
hipótese que a palavra lupercalia perdeu as letras l, p, i, ficando uercala; esta, torcida
de trás para diante, dá careual; a letra u entre vogais transforma-se em v,
e daí careval; finalmente, a corrupção popular teria introduzido um n depois do r, e ter carneval, que, com o andar dos tempos, chegou a
carnaval. Realmente, a marcha seria demasiado longa. As palavras andam muito,
em verdade, e nessas jornadas é comum irem perdendo as letras; mas, no caso
desta primeira conjectura, a palavra teria não só de as perder, mas de as
trocar tanto, que verdadeiramente meteria os pés pelas mãos, chegando ao mundo
moderno de pernas para o ar. Ginástica difícil. A segunda conjectura parece ao
Sr. Dr. Castro Lopes mais lógica, e é a que nos dá por solução definitiva do
problema.
Ei-la aqui. “Era muito
natural, diz o ilustrado lingüista, que nessas festas se entoasse o canto
dos irmãos arvais; muito naturalmente também ter-se-á dito, às vezes, a
festa do canto arval (cantus arvalis),
palavras que produziram o termo carnaval, cortada a última sílaba de cantos e
as duas letras finais de arvalis. De canarval a carnaval a
diferença é tão fácil, que ninguém a porá em dúvida”.
A etimologia tem segredos
difíceis, mas não invioláveis. A genealogia é a mesma coisa. Quem sabe se o
leitor, plebeu e manso, jogador do voltarete
e mestre-sala, não descende de Nero ou de Camões. As famílias perdem as letras,
como as palavras, e a do leitor terá perdido a crueldade do imperador e a
inspiração do poeta; mas se o leitor ainda pode matar uma galinha, e se entre
os dezoito e vinte anos compôs algum soneto, não se despreze; não só pode
descender de Nero ou de Camões, mas até de ambos.
Por isso, não digo sim nem
não à explicação do Sr. Dr. Castro Lopes. Digo só que o sábio Ménage achou,
pelo mesmo processo, que o haricot dos franceses vinha do latim faba.
À primeira vista parece gracejo; mas eis aqui as razões do etimologista: “On a dû
dire faba, puis fabaricus, puis fabaricotus, aricotus et enfin haricot”. Há
seguramente um ponto de partida conjectural, em ambos os casos. O on a dú
dire de Ménage e o ter-se-á dito de Castro Lopes são indispensáveis, uma
vez que nenhum documento ou monumento nos dá a primeira forma da palavra. O
resto é lógico. Toda a questão é saber se esse ponto de partida conjetural é
verdadeiro. Mas que há neste mundo que se possa dizer verdadeiramente
verdadeiro Tudo é conjetural. Dai-me um axioma: a linha reta é a mais curta
entre dois pontos. Parece-nos que é assim, porque realmente, medindo todas as
linhas possíveis, achamos que a mais curta é a reta; mas quem sabe se é
verdade?
O que eu nego ao nosso
Castro Lopes, é o papel de Cassandra que se atribui, afirmando que não é
atendido em nada. Não
o será em tudo; mas há de confessar que o é em algumas coisas. Há palavras
propostas por ele, que andam em circulação, já pela novidade do cunho, já pela
autoridade do emissor. Cardápio e convescote, são usados. Não é menos usado
preconício, proposto para o fim de expelir o reclame dos franceses, embora
tenhamos reclamo na nossa língua, com o mesmo aspecto, origem e significação.
Que lhe falta ao nosso reclamo? Falta-lhe a forma erudita, a novidade, certo
mistério. Eu, se não emprego convescote, é porque já não vou a tais patuscadas,
não é que lhe não ache graça expressiva. O mesmo digo de cardápio.
Nem tudo se alcança neste
mundo. Um homem trabalha quarenta anos para só lhe ficar a obra de um dia.
Felizes os que puderem deixar uma palavra ou duas: terão contribuído para o
lustre do estilo dos pósteros, e dado veículo asseado a uma ou duas idéias.
Filinto Elísio mostra o exemplo do marquês de Pombal, que, tendo de expedir uma
lei, introduziu nela a palavra apanágio, logo aceita por todos.
“Apanágio passou; hoje é corrente”, disse o poeta em verso. Ai , marquês!
marquês! digo eu em prosa, quem sabe se de tantas coisas que fizeste, não é
esta a única obra que te há de ficar?
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MEDICINA (“Badaladas”):
MEDICINA (“Badaladas”):
Mas o leitor está achando
isto muito grave, e pergunta-me naturalmente, ao ler a palavra medicina, se eu
conheço a sua etimologia.
Por que não?
A etimologia de medicina é, como acontece com outras
palavras, uma lenda.
Conta-se que, no tempo do
rei Numa, o corpo médico era composto unicamente de coveiros, regidos por um
coveiro-mor, chamado Cinna, avô,
dizem, da tragédia de Corneille.
Adoecia um romano (eterno
romano!) iam os coveiros a casa do doente medir-lhe o corpo para abrir a
sepultura.
— Mediste, Caio? Perguntava
o chefe.
—
Medi, Cina, respondia o coveiro oficial.”
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É isso!
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